domingo, 2 de junho de 2013

Oficina do Rap (poema)


Na oficina do Rap
As cidades do Brasil
De quem não faz répiaurs
De quem não tem répideis
Só rapidez, rapidez
Na boca do funil
Na correria
Das cidades do Brasil
Que na rota do mapa
Só mudam a posição
Da mesma história nacional
Dos negros, da pobreza a negação
Da mais antiga a de menor idade
Tudo igual, tudo igual
Tem cidade do regae,
Cidade do acarajé
Cidade dos doces da princesa
Como é? Como são?
Cidade do quarteirão
De Jorge Amado de Gabriela
Cidade das favelas
Com sombras e aquarelas
Cidades de lona,
Com os redutos de invasão
Cidades de morro
Cidades de bala sem direção
Cidade do museu da Balaiada
Tem um preto na exposição
só um Cosme sem Damião
E os outros, onde estão?
Cidade do mercado modelo
Da maioria negra na contramão
Das ruas e vielas do pelourinho
Onde tudo vira
Vira tudo apelação
Vira, virou em memória,
Cena de atração
Muitas histórias para a exploração
Cidade do beija-flor,
Cidade do quero-quero
Cidade dos lero-leros
De todas as cidades
Que são sempre iguais
Na oficina do Rap
As Cidades do Brasil
De quem não faz répiaurs
De quem não tem répideis
Só rapidez, só rapidez
Na boca do funil
Na correria
Cidades do Brasil
Só mudam de nome
Na rota do mapa
Com a natureza que é uma beleza
E a negrada, na maior pobreza
Tanto faz se na pedreira, depois dos Confins,
Ou na terra de Drummond já sentado, calado
Aposentado de sua crônica imortal
Que faria, hoje, com certeza,
Não me leve a mal, um Rap marginal.
Na oficina do Rap
As Cidades do Brasil
não existem sem favela
não existem sem novela
não existem sem vielas
não existem sem os negros
sempre na faixa amarela
em estado de tensão
Cidade, maldade
Cidade, ansiedade
Cidade, verdade
Na diversidade,
Diversas cidades
Violentadas, massacradas
Estou de olho
Só eu, não
Estamos de olho
Está valendo, vou dizendo
Minha indignação
Eu te vi e ainda te vejo
Na oficina do Rap
De quem não faz répiaurs
De quem não tem répideis
Só rapidez, rapidez
Na boca do funil
Na correria
Cidades do Brasil
Que amo demais
além das belezas naturais
Até à vista
Estou na pista
Volto em breve
Na oficina do Rap
Dá-lhe Rap, répiaurs,
Dá-lhe Rap, répideis
Antes que os casarões de São Luís
Tombem as paredes podres
E matem os negros e os pobres do centro histórico
E todos tenham morte natural-acidental,
Naturalmente
Será que a gente mente?..
Helena do Sul
Maria Helena Vargas da Silveira

Poema-canção da escritora pelotense Maria Helena Vargas da Silveira (1940-2009), tomado do livro Rota Existencial, p. 242-244 (Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2007).
Imagens: tela de Pedro Franz (1), Por Dentro da Cidade (2)

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