segunda-feira, 17 de junho de 2013

Crônicas de Danilo Kuhn

Danilo Kuhn da Silva se define como "músico, escritor, professor, produtor, pesquisador, vivente, e uma gota d'água num mar infindo". Em janeiro de 2012 ele criou o blogue das Crônicas Afônicas, que por mais de um ano manteve a média de um texto semanal. 

Em 2013 ele ainda iniciou outros dois blogues: o dos Contos Recônditos - relatos repletos de simbolismos - e o das Crônicas Lourencianas, reflexões inspiradas no verão e na natureza.

Agora ele pretende converter em livro o conjunto das 60 "crônicas afônicas", peças literárias que transbordam poesia, empatia e filosofia. Leia a seguir um de seus textos mais penetrantes, que joga com os sentidos de "escravidão passada" e "escravidão ao passado". Confira também dois relatos reveladores: Abrir os olhos (26-11-12) e Fechar os olhos (3-12-12).

Escravos do passado

Foi numa gélida manhã de agosto, um agosto severo, a geada trincava o pasto e o negro apertava o passo, sumia na imensidão... E, consigo, os pés descalços, castigados... Junto às correntes de aço levava, no seu encalço, as chagas da escravidão.

A manhã, na Casa Grande resplandecente de austeridade e imponência, despertava espanto e alarde, enquanto os de coração débil e covarde davam início à caçada. Foge o negro, o animal... Sim! Tratavam-no como tal...

– Nasce pra ser serviçal, não tem alma, não tem nada.

Na verdade, mero estratagema! O branco que impunha algemas, sem ter pudor nem pena, ante o escravo era inferior. Pois aquele que escraviza e que cativa é que não tem alma... a precisa! Não vale o chão onde pisa! Não honra ao nome Senhor...

...E o Senhor da Sesmaria de crueldade sorria um sorriso canino, pois até o fim do dia teria sangue nas mãos...

– Se dentro das minhas terras algum negro desgraçado se desgarra, eu trago de volta é na marra, sob severa punição!

E, de fato, era um açoite... Por três dias e três noites, dê-lhe ferro quente e chicote e intermináveis torturas... E, mais cedo ou mais tarde, dependendo de sua sorte, encontrava-se co´a morte a sofrida criatura.

E o negro bem sabia da soberba e tirania do Senhor da Sesmaria, da monarquia em seu trono de sangue e suor alheio. Num ato de valentia, que a coragem é mais um homem, deu-se a própria alforria, naquela manhã tão fria quanto à alma do seu dono.

Escafedeu-se o vassalo e nenhum branco a pé ou a cavalo jamais conseguiu achá-lo na vastidão impenetrável da pampa... Dizem que, lá no rincão, os puros de coração, em manhãs de cerração, inda veem sua estampa...

Quanto à velha Sesmaria, da soberba e tirania, hoje é terra e moradia pros descendentes de escravos. E à família do Senhor, por semear tanto horror, não sobrou nenhum valor...

Do passado são escravos!

Danilo Kuhn
19-11-12
Fotos: Ciência Hoje (1), Fora da Mídia (2)

POST DATA
12-09-2014
"Crônicas Afônicas" já está à venda no sítio Clube de Autores. A informação foi dada hoje por Danilo Kuhn no Facebook.

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