sexta-feira, 1 de março de 2013

Schlee conta como foi preso em 1964

Em 6 de dezembro de 2012, a Faculdade de Direito da UFPel prestou homenagem a dois ex-alunos que contribuíram à ética desta profissão em Pelotas: Aldyr Garcia Schlee, distinguido como Professor Emérito, e Clayr Lobo Rochefort, jornalista falecido há um ano, que recebeu postumamente a Medalha do Mérito Universitário (veja notícia). 

O primeiro discurso foi da viúva Iracema Rochefort, que agradeceu a distinção, o segundo foi a apresentação de Schlee por parte de Pedro Moacyr Pérez da Silveira (veja o discurso) e a fala mais esperada e tocante foi a do segundo homenageado, que se referiu à perseguição durante o regime militar. 

Quase 50 anos depois, professor aposentado, ex-pró-reitor da UFPel, escritor premiado, verbete da Wikipédia, Schlee revelou aos 78 anos, por primeira vez em público, que seu nome esteve numa lista de subversivos observados pelo SNI e como o Exército o prendeu em três ocasiões. Leia a seguir o seu relato da primeira vez. 

Schlee recebeu o diploma de Professor Emérito da Faculdade de Direito.

Tudo começou no dia 7 de abril de 1964, quando um funcionário de uma revendedora de motos me telefonou, adiantando-me que uma patrulha saíra do quartel do 9º para me prender; e advertindo-me que seria melhor que eu me apresentasse o mais rápido possível no QG da Infantaria Divisionária 3, que estava aquartelado no casarão 8 da Praça, na esquina da Butuí.

Eu não pude acreditar naquilo. Era secretário de redação do Diário Popular e, sorrindo, fui consultar o Clayr − à memória do qual, hoje, por feliz coincidência se confere aqui a medalha do Mérito Universitário. Pois o meu saudoso e queridíssimo amigo Clayr Lobo Rochefort, com o qual trabalhei por quase quinze anos, na inesquecível A Opinião Pública e no velho Diário, tendo-o como irmão e paizão... pois o Clayr, incrédulo, conferiu o telefonema; e soube que, sim, que vinham me prender. Não vieram; porque eu fui.

O QG era mais perto. Três capitães, um R2, me receberam sem palavras e me levaram para o grande salão da esquina da Butuí. O salão estava fechado, no escuro e aparentemente vazio. Colocaram-me num sofá de palhinha, com um rangente gravador de fita, embaixo. Sentou-se um à minha direita e apertou-me o outro, à esquerda. O terceiro, com jeito de sargentão de cinema ficou bem à minha frente, respirando fundo a minha falta de ar e aprisionando-me com as dele minhas pernas. Eu fazia força para não bater o queixo e não conseguia falar, trespassado de susto e intimidação. O resto é o resto. E não preciso contar.

Schlee na visão do Treze Horas
No mais, comecei a lecionar Direito Internacional quando fui aprovado em concurso para professor dessa disciplina na Universidade do Rio Grande do Sul, em 1962.

Fora para Porto Alegre, em 1960, como fundador e planejador gráfico do jornal Última Hora, atendendo um convite de Samuel Weiner e Andrés Guevara. Botamos na rua o jornal, a turma era ótima, o salário melhor, mas nunca me entenderia bem com o Samuel como sempre me entendi com o Clayr, e − por razões éticas − acabei pedindo demissão.

Como a nossa Faculdade de Direito pertencia à URGS, fui convidado a lecionar aqui, e continuei fazendo jornalismo em Pelotas, com o Clayr, no Diário Popular, além de dar aulas de Português, Literatura e Retórica no Colégio Municipal Pelotense.

Na noite de 31 de março ocorreu o Golpe Militar que rasgaria a Constituição da República. Dia 6 de abril houve a volta às aulas e eu ofereci aos meus alunos uma prova de retórica, anotando os sofismas que poderiam ser usados para sustentar e fundamentar a ruptura da ordem constitucional.

Naturalmente, nada justificaria minha prisão; mas o que os três capitães me esfregaram na cara e quase me fizeram engolir, entre palavrões e ameaças, foi uma folha de caderno escolar com o texto daquela minha prova (leia o discurso completo de Schlee).

Fotos: UFPel e 13Horas

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