sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O triste dia em que Irajá Nunes foi a notícia

Quando da repentina morte do cronista do Diário Popular Irajá Nunes, em 26 de outubro de 1977, Rubens Amador relatou detalhes daquele dia amargo. Amigos, colegas, a cidade inteira se inundaram pela impotência ante a fragilidade da vida e a injustiça incompreensível de perder o convívio com um homem tão lúcido, gozador da vida e ainda com um projeto de livro em mãos, que nunca foi editado. O repórter que chegara adolescente agora se ia aos 41 anos.


Dez e trinta da manhã de primavera. Trabalhávamos. Toca o telefone. É o médico Paulo Kelbert, pesaroso, comunicando-me que o Irajá, nosso comum amigo, havia se acidentado seriamente.

– Amador – disse o Paulo – que tipo de sangue tens? Estão pedindo O Positivo, pelo rádio, infelizmente o meu não dá.

–  Não sei – respondi-lhe – mas onde estão solicitando? que já vou para lá.

– É no Hospital de Clínicas.

Irajá Moraes Nunes em 1977
Desligamos e parti para o nosocômio. Lá chegando, na portaria encontrei o Bento, com aspecto grave, que se antecipou à pergunta que formuláramos à recepcionista: “Sobe a rampa, e desce depois, à esquerda, lá fica o Banco de Sangue “. Subimos a rampa rapidamente . Passamos pelo Piegas, que saía, lamentando que seu sangue não dera.

Ao chegarmos à porta do Banco de Sangue, havia um pequeno “comício”, como diria o Irajá. Lá estavam, cabisbaixos, o Clayr, junto a vários outros colegas do jornal. Havia no ar um silêncio eloquente, uma espécie de sufocação e amarga expectativa. Sentado em uma cadeira apropriada, doando o precioso líquido vermelho, o Cunha, da Rádio Universidade .

Aguardamos. Lamentavelmente, ao chegar a nossa vez, não passamos no teste: Tipo A Positivo! Subimos de volta a escada para ganharmos a rua. Antes soubemos do amigo acidentado: “Está sendo operado neste momento, trata-se de caso sumamente grave”.

Não acreditávamos que algo de grave pudesse acontecer ao Mirim – o apelido, se não me engano, foi o falecido Ramão Barros que lhe deu. Não podia ser. O Irajá não poderia morrer assim, num prosaico acidente de trânsito, de manhã cedo, saindo para o trabalho. E voltamos às nossas atividades sem poder deixar de pensar no acontecido, daquela tragédia com o amigo estimado.

Almoçamos e, por cerca de uma hora e pouco da tarde, nos dirigimos novamente ao hospital onde Irajá fora operado. Batíamos nos vidros para entrar, pelo menos no saguão, já que àquela hora era proibido o ingresso de visitantes. Queríamos apenas uma notícia, se possível boa, para retomarmos o trabalho da tarde mais confiante e satisfeitos.

Enquanto o funcionário abria a porta, divisamos em nossa direção o Clayr e o Piegas que se aproximavam. Fui ao seu encontro. Notei nas suas fisionomias profunda tristeza. Confesso que me alarmei, então. Com certa dificuldade perguntei:

– E o Mirim?

Então o Clayr Rochefort olhou-me nos olhos, e pleno de nítida amargura praticamente sussurrou:

– Não deu!

Clayr, figura paterna e amigo íntimo do Mirim
Naquelas duas palavras ele conseguiu traduzir toda a dor que trazia em seu peito e que naquele momento dividia conosco, comigo e o Piegas. Não trocamos mais que outras tantas duas ou três palavras. Com um aceno de cabeça nos despedimos e cada um seguiu o seu caminho.

Irajá Nunes não era um santo. Era apenas um ser humano cheio de ternura e calor. Quem não o conheceu e privou com ele, mas que apenas o leu, sabe do que estamos falando. Agora mesmo estava em lua-de-mel com um livro seu por sair. Era um tremendo cara. Todos nós que o conhecíamos bem e frequentemente participávamos de suas tertúlias, cheias de boa verve e frases inteligentes, sabíamos o quanto ele era amigo de sua família e da forma especial com que evocava a figura de sua esposa, a quem nos dizia sempre ser uma santa, por aturar as suas molecagens.

Realmente, vai ficar no espaço que ocupava o Irajá, nesta Selva de Pedra, um desfalque muito grande. Nesses dias que correm, personalidade coruscante como a sua, era como que pirilampo em voo incerto e nervoso pelo espaço, em busca de algo, mas sempre dando um pouco de sua luz para o nosso deslumbramento.
Rubens Amador (1977)
Foto: reprodução DP

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