terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Bilhete (VII)


Estação Central do Brasil em construção, Rio de Janeiro, cerca de 1940

VII  Na Central do Brasil

Apeou do táxi e praticamente correu até a entrada da Estação Central do Brasil. Dirigiu-se ao guichet de informações e perguntou ansioso:

— Com quem se fala para poder-se procurar um documento perdido dentro de um trem?

— Quando o perdeu? — perguntou o funcionário, displicentemente. E completou: — Se faz mais de vinte e quatro horas é remota a possibilidade de reencontrar algo devido a limpeza ser feita com potentes aspiradores, a cada dia.

— Fazem umas sete ou oito horas apenas — respondeu o agoniado interpelante, tentando recuperar a serenidade.

— Procure o senhor Leandro, no primeiro andar. Ele poderá autorizá-lo, talvez. Agora, tem uma coisa — falou o servidor da rede ferroviária —, uma vez autorizado só poderá proceder à busca entre uma e meia, e duas e meia da madrugada, intervalo em que se processa a limpeza.

— Obrigado, vou até o senhor Leandro. Muito obrigado — repetiu, agora esperançoso mais do que nunca. Afinal tudo parecia que iria dar certo.

Na antessala do gabinete foi convidado a sentar-se e aguardar a chamada de seu nome, o que se deu quinze minutos mais tarde.

Chamado, entrou apressado, sendo convidado pelo graduado funcionário a sentar-se, num gesto de mão.

Frente a frente ao Chefe de Linhas, expôs o que o levara lá. O senhor Leandro não era o tipo que se poderia chamar de prestativo e cooperador. Tentou obstar a busca colocando mil e um empecilhos; como que à hora que seria possível efetuar a procura ele não poderia destacar um funcionário só para acompanhá-lo, e outros óbices desse jaez.

Saguão da Central do Brasil, dias atuais
Nosso herói deu então o grande golpe em que nós brasileiros somos mestres, o do “sabe com quem está falando?”. Pigarreando, nosso personagem disse com forçada segurança:

— Se o senhor não me pode autorizar, irei ter com o Coronel Napoleão de Alencastro Guimarães (então diretor da Central do Brasil).

Como num passe de mágica, as coisas imediatamente se tornaram fáceis.

— Não será preciso falar com o Coronel. Vou dar-lhe um passe e uma autorização para que proceda à busca junto com nosso pessoal da limpeza. Mas, por favor, o senhor terá de estar na plataforma a partir dos trinta minutos desta madrugada ater a chegada do carro. — E confirmou: — Carro 888, linha de Vassouras, pois não?

Nosso herói concordou, agradeceu e saiu, procurando aparentar digna superioridade, encenação que, sabia, agradava sempre aos homens de caráter subserviente. Pessoa competente e precavida, o destinatário daquela malfadada carta-bilhete, agora buscada.

A meia-noite estava chegando na plataforma da Central. Imediatamente se identificou junto ao setor de limpeza, com a credencial e autorização que trazia.

Continua amanhã (v. parte VIII). 
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