terça-feira, 14 de junho de 2011

A batalha do Graf Spee no Rio da Prata

Rubens Amador narra os detalhes da Batalha do Rio da Prata, entre Inglaterra e Alemanha, ocorrida perto de Montevidéu, em dezembro de 1939. Além de nossa proximidade física em relação aos fatos (uns 800 km), o cronista menciona outra conexão histórica: parte dos víveres usados pela Marinha de Sua Majestade eram fabricados num frigorífico de Pelotas, o Anglo (em mãos de ingleses, justamente).

Logo no começo da Segunda Guerra Mundial, verdadeiras trilhas de navios ingleses levavam o famoso corned beef (carne em conserva) da Argentina para a Inglaterra, pelo Atlântico. Também daqui do Frigorífico Anglo [veja o post sobre os ingleses em Pelotas], enlatávamos tal carne para a Velha Albion. Mas os alemães trataram logo de destruir aqueles comboios que alimentavam o inimigo.

Pouco antes de a guerra ser declarada, à socapa, os germânicos já haviam construído três “encouraçados de bolso”, rápidos como cascavéis, pesadamente armados, e capazes de despejar, com canhões de onze polegadas, 500 quilos de explosivos de dez em dez segundos. Os três corsários alemães chamavam-se: Deutschland, Admiral Scheer e Admiral Graf Spee.

Eram “monstros” na sua categoria, até então jamais vistos na arte bélica do mar. Em 1939, em somente dois meses e meio, afundaram dos ingleses mais de 50 mil toneladas de importantes navios, sempre sumindo sem deixar pistas. Os ingleses estavam preocupados, porquanto o fluxo de carne e cereais da Argentina estava, literalmente, sendo sufocado pelo Graf Spee, couraçado alemão de onze mil toneladas (dir.), que operava do Atlântico Norte até o Índico.

Os britânicos destacaram três pequenos navios: o H.M.S. Exeter, de 8.400 toneladas, o HMS Ajax, de 6.200, e o HMS Achilles, de 5.600, para atacarem o perigoso Graf Spee, comandado pelo Almirante Hans Langsdorff.

Por dias seguidos, os três navios de Sua Majestade procuravam um sinal diferente no horizonte. Até que, às 5 horas da manhã de 13 de dezembro de 1939, dia claro e sem vento, foi avistada uma fímbria de fumaça, ao longe, que marcaria o início da primeira batalha naval da Segunda Guerra, aqui bem perto de nós, no Estuário do Rio da Prata, que separa o Uruguai da Argentina.

O Oficial Britânico, da ponte, gritou para o imediato: “Inimigo à vista!”. E completou: “Deve ser a nossa caça.” O alvoroço foi enorme entre os homens. E vinham mais informações: ”Fumaça a 324 graus pelo través de bombordo”! “Homens a postos!”. Pelo rádio e em código acertaram um plano de combate: em vez de manterem os navios juntos, atacariam em duas frentes, para que o inimigo dividisse o seu fogo.

O Ajax e o Achilles, deslocando-se juntos, deveriam chegar o mais perto possível do Graf Spee, para lançarem-lhe torpedos. Por outro lado, o Exeter se afastaria e lutaria de bordada, o que equivalia dizer que ficaria à própria sorte, pois, com apenas seis canhões de oito polegadas, atacaria a um encouraçado de bolso com alta capacidade de fogo, capaz de fazer voar pelos ares qualquer navio menos pesado que um couraçado verdadeiro.

Após uma troca de salvas, os navios avançaram, um para o outro, a toda força. Exatamente às 6h 23 min, uma granada do Graf Spee matou a maioria do pessoal dos torpedos de estibordo, cobrindo o Exeter com uma chuva de estilhaços. Mais seis salvas foram disparadas pelo Spee. Uma granada caiu bem no meio da torre, borrifando o passadiço com outra chuva de estilhaços afiados como navalhas.

Todos os sistemas de comunicação com a praça das máquinas haviam sido destruídos; o leme não funcionava; a principal bússola giroscópica, que dirigia o navio, fora posta fora de ação. Pois assim, desgovernado e todo estropiado, com suas máquinas a toda força, o Exeter avançava contra o Spee, como um cavalo desenfreado, enquanto o couraçado alemão disparava de dez em dez segundos com seus potentes canhões.

O Exeter já estava bem próximo do Spee, e seus disparos desproporcionais surtiram algum efeito, tendo inclusive atingido a linha d’agua do navio alemão, obrigando-o a mudar de rota. Ao mesmo tempo, o Spee respondia ao fogo inglês, demolindo os dois últimos canhões em ação no convés de vante, e o avião de patrulha do navio. Havia incêndios espalhados por todo o Exeter. Finalmente, outro tiro do Spee pôs fora de ação a última torre de canhões.

O audaz ataque do Exeter fez com que o Almirante Langsdorff, comandante do Spee, concluísse equivocadamente que havia encontrado a vanguarda de uma grande esquadra que estaria protegendo comboio importante. Raciocinando que seu sucesso como incursor dependia não de afundar navios de guerra, mas sim de impedir o trânsito de víveres, e assim forçar os britânicos a dispersarem sua esquadra, Langsdorff ordenou ao Spee lançar uma cortina de fumaça e rumar para o porto de Montevidéu.

O Ajax e o Achilles (dir.), embora sem muita esperança de sucesso, ainda avançaram para um último ataque com torpedos. O Spee imediatamente assestou seus canhões de onze polegadas sobre eles, derrubando duas torres do Ajax, e pôs-se a salvo. Eram 7h 40min daquela manhã. Toda a batalha durara menos de hora e meia. O Exeter, adernado, ardia em chamas.

O Ajax e o Achilles se posicionaram no Estuário do Prata, fora das águas territoriais uruguaias, numa paciente espera. Pelo rádio, pediam reforços adequados para uma batalha que, esperavam, seria final contra o enorme couraçado germânico.

O Graf Spee encostou em Montevidéu e pediu permissão, de acordo com o Direito Internacional, para “reparar os danos e ficar em condições de navegar” (posteriormente verificou-se que ele estava em perfeitas condições, e poderia ter facilmente partido de Montevidéu, destruído o Ajax e o Achilles, e fugido.)

Mas foi imobilizado pelo notável Serviço de Informações Navais dos ingleses, que espalhou uma complexa combinação de boatos, e enganosas mensagens telegráficas, para que caíssem nas mãos de espiões alemães que pululavam no porto de Montevidéu naquele dia. Também boa parte da diplomacia internacional daqueles dias era pró-britânica, e exerceu coação sobre o governo uruguaio, forçando os orientais a expulsarem os marujos alemães e seu barco do porto, sem tardança.

Não restava outra alternativa ao Almirante Langsdorff, que acreditava estar sendo aguardado em águas internacionais para ser destruído ou aprisionado. O golpe que assegurou este temor deu-se quando os oficiais alemães perceberam, com seus binóculos, outro navio inglês, o Cuberland, gêmeo do Exeter, juntando-se ao Achilles e ao Ajax. O Almirante perdeu então todas as esperanças. Reuniu a oficialidade e disse: “O Graf Spee tem de ser afundado. Não nos resta outra alternativa ante a pressão diplomática irresistível.” (De sua parte queriam ganhar tempo para chegarem reforços, possivelmente do Deutschland ou do Admiral Sheer).

No domingo 17 de dezembro, foram fretados vários rebocadores para transportar a tripulação para a Argentina, e o couraçado saiu para sua última viagem. No porto de Montevidéu, 750 mil pessoas aglomeradas esperavam por um desfecho. Logo o Spee saiu para águas internacionais, fundeou, e embarcou toda sua tripulação nos rebocadores para a Argentina, sob o olhar vigilante e distante dos ingleses.

Assim que o sol mergulhou no horizonte, houve uma labareda, um enorme estrondo, e o Graf Spee explodiu (esq.). Horas depois, enrolado na bandeira da velha Marinha Imperial Alemã — não na suástica de Hitler —, Langsdorff suicidou-se.

Os ingleses tiveram festiva recepção em Londres. Levados a Buckingham, o Rei Jorge VI ofereceu aos heróis a rutilante Cruz de ouro e esmalte da Ordem do Banho, a mais alta da cavalaria militar da Inglaterra. Todas as contendas bélicas são assim, desde tempos imemoriais: prosaicamente tem que haver um vencedor e um vencido, enquanto a História tudo testemunha.

Rubens Amador

Um comentário:

Francisco Antônio Vidal disse...

No filme que fizeram sobre esta batalha naval, usaram barcos reais da época.
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Battle_of_the_River_Plate