domingo, 13 de fevereiro de 2011

Perda de substância

A seguinte crônica de Rubens Amador é ilustrada por um quadro hiper-realista do pintor iraniano Iman Maleki (n. 1976).

A todo instante relendo sobre o caráter e o saber dos grandes homens do passado, sentimos que a humanidade vem perdendo também em substância.
Por que não surgiu nunca mais um Beethoven, um Liszt? Um Mozart? — para falarmos no mundo dos sons. E na escrita, por que não mais alguém parecido, literariamente, com um Vítor Hugo? Um Voltaire? Um Shakespeare? Por que os pósteros desses homens — nós — ficamos, como certos psicanalistas, rodeando, rodeando, em torno das descobertas de Freud há 100 anos, acrescentando muito pouco às idéias do genial pensador?
Temos que reconhecer que a qualidade do ser humano perdeu muito, na esteira do tempo. No lugar das criações imortais, como a estátua do David, de Miguel Ângelo; das pirâmides do Egito, e de outros monumentos imortais, criamos a cibernética, capaz de colocar um míssil a milhares de quilômetros, mas absolutamente incapaz de evitar a simples destruição dos mananciais de água indispensáveis à vida humana.
Quando me lembro que vivemos uma fase social em que grassa a corrupção, o tóxico, a violência de todos os matizes, penso em Goethe, por exemplo, paradigma de homem decente, além da genialidade que portava.
Ocorreu-me contar-lhes a passagem que li, um dia destes, sobre Frederico da Prússia, o ínclito morador de Sanssouci, o maravilhoso palácio de Potsdam.
Frederico era ávido da convivência dos grandes homens de seu tempo e quis atrair para si outro formidável espírito daquela época. Escreveu a Jean-Jacques Rousseau, oferecendo-lhe “casa, comida e liberdade”. Com tal convite, Frederico, o Grande demonstrou que era um mau psicólogo: Rousseau, homem misantropo de caráter e rebelde em seu apostolado, não era o homem indicado para compartilhar da corte prussiana. O autor do “Contrato Social” — livro que deveria semear os germens da maior revolução de todos os tempos, com ar respeitoso e ao mesmo tempo galhardo, respondeu ao convite que lhe fazia o formidável Frederico nos seguintes termos:
— Majestade, ofereceis-me asilo e prometeis-me liberdade. Mas V. M. se esquece de que tem uma espada e de que é Rei. Ofereceis-me uma pensão, quando eu nunca vos prestei um serviço. Haveis feito o mesmo com os bravos que perderam pernas e braços por vossa causa?...
Agora eu lhes pergunto, para terminar: “Ainda se fazem homens como os de antigamente?”

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