quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Crônica de fim de ano

Clima de Natal
Rubens Amador

Aproxima-se o Natal. Não sei por que começa a me assaltar uma certa angústia. Até aquele dia em que toda a casa já está pronta, passo por um período de aflição. E os cartões? Comprar selos, envelopes e cartões. Depois endereçá-los. E os presentes? O ter de andar em lojas. Ainda bem que não escolho nada para ninguém. Não sei. Sou capaz de oferecer um jogo de damas para um adulto e uma camiseta para uma criança. Depois vêm as lampadazinhas. Tem as que acendem e as que não acendem mais. E a árvore? Está firme ainda? Ano passado lembro que ela estava guenza, de um lado. As lâmpadas, será preciso testar uma por uma, exaustiva e pacienciosamente. Que vamos comer: Peru ou Chester? Fábio gosta de lombinho. Galinha? Nem pensar, cisca para trás! Ah, a lentilha, para que o ano seja pródigo em dinheiro. Põe 1 quilo! E a bebida? O que vai ser? E os enfeites da árvore? Vários estão quebrados. O camelo da manjedoura está de pescoço quebrado.

O carteiro está chegando e trazendo cartões de amigos. Chi! Este aqui me faz lembrar do pessoal de Porto Alegre, não estava na lista. Inclui! Alguém lembra que talvez seja melhor mandar pela Internet. Mais barato, direto e com menos trabalho. Mas é uma coisa fria e impessoal, retrucam. Acho o fim da picada pela máquina, diz outro. Olha, faltam apenas 15 dias. Nesta época o tempo voa.

Um dos netos telefona lembrando uma lista de quase 12 presentes só para ele, que ficarão em dois ou três. Depois a gente explica por quê esta época é uma época em que se divide, e não será possível desviar tudo para um só. Oxalá ele acredite. Duvido, o garoto tem opinião. Mas vamos conversar com ele.

As ruas estão cheias de pessoas indo e vindo, cada um contribuindo para que o Natal seja mesmo uma festa já no ir e vir das ruas. Como é? Vai ter Papai Noel ao vivo? Vou saindo de mansinho antes que alguém sugira a mim. Suportar aquele calor embaixo de uma fantasia, será dose! Júnior vem? Vitor vem? Fernanda vem? Hoje fiquei com pena de não ter bastante dinheiro, argumenta uma sobrinha. E eu respondo: esta é uma das minhas velhas penas! Mas por quê, logo hoje, ficaste com pena de ter pouca grana? É que nas lojas, penduradas nas vitrines, vi muitas crianças pobres desejando com os olhos as coisas expostas. Acho que estas deveriam ser como os altares na Sexta-feira Santa, cobertos com pano pesado e cor lúgubre para que os infantes carentes nunca vissem a festa bonita de que não poderão participar intensamente, logo eles que são os legítimos donos! Alguém gritou: Sempre tem um Urubulino para toldar a alegria alheia!

Batem à porta. Era uma criança pedindo. Gritei: deixem comigo! É que naquele momento me lembrei de um colégio católico em que havia estudado em minha infância, e que na época do Natal houve uma representação em que um menino pobre e doente que sofria fortes dores, chamava em vão por Jesus. Sua mãe lhe dizia: “O Rabí da Galiléia não vai vir em nossa modesta choupana, pois agora está em Nazaré distribuindo presentes aos ricos.” O menino chorava de dor, e repetia em desespero: Jesus! Jesus! Nisto ouvem-se batidas secas na porta da modesta morada. A mãe do menino deixa-o sob um monte de trapos, abre a porta e alguém segurando um longo cajado apenas diz : “Aqui estou!”

Sem que ninguém visse, fui no monte de presentes que estavam chegando e peguei dois, que eu sabia se destinavam às meninas e dei para aquela criança que, na sua felicidade, abaixou-se e pegando os seus tamanquinhos saiu correndo sem dizer nada. Claro que não seria preciso. Agradeci-lhe, eu, antes de fechar a porta, por ela me ter ensejado ter brincado de Nosso Senhor, naquela data tão bonita.
Fotos de F. A. Vidal (1-2)

Um comentário:

Anônimo disse...

Um lindo texto! Comovente, sensível! Parabéns, sr. Rubens!

Bj, Francisco!
Tê!