terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Contos Gardelianos dão terceiro Açorianos a Schlee

Um mês depois de ser reconhecido com o troféu Fato Literário - categoria Personalidade (leia nota), prêmio dado pela RBS a escritores do Rio Grande do Sul (ou aqui radicados), o escritor Aldyr G. Schlee recebeu - também em Porto Alegre - uma premiação para seu recente livro "Os limites do impossível" no concurso Açorianos de Literatura - categoria conto.

O Prêmio Açorianos distingue artistas e obras em diversas áreas (teatro, dança, música, literatura e artes plásticas), buscando a conexão com Porto Alegre, pois pertence à Secretaria Municipal de Cultura. O nome do prêmio já é uma homenagem aos casais portugueses que iniciaram a freguesia em 1772.

Essa relação pode ser pela origem do autor ou da editora, como diz o Conselho de Cultura da Capital do Estado (leia post). No caso de Schlee, jaguarense de 76 anos radicado em Pelotas há 62, o vínculo é pela editora ARdoTEmpo. O Açorianos já o havia premiado duas vezes como escritor: pelos Contos de Futebol (em 1998) e pelos Contos de Verdades (em 2001). Como destacou o Diário Popular na época, os prêmios eram três até 2001 (acrescenta-se um Açorianos como tradutor de "Facundo").

Cada um dos livros de Schlee já recebeu algum prêmio e ele mesmo como criador já foi destacado várias vezes. Há pouco mais de trinta anos ele vem escrevendo contos, ensaios, traduções e glossários. A obra longa viria somente em 2010, com "Don Frutos".

Os Contos Gardelianos são o coroamento dessa obra complexa de relatos breves, que concentra e enriquece os traços formais e os conteúdos de sua escrita.

São eles ("Os Limites do Impossível") uma série de relatos que se complementam, um coral de vozes de mulheres que giram ao redor de um homem com características heroicas, quase divinas: o cantor Carlos Gardel, tragicamente engendrado e tragicamente desaparecido. Uma leitura para espíritos maduros e capazes de suportar uma sucessão de tragédias.

Parecida fórmula foi utilizada em "El día en que el papa fue a Melo" (1991), também um contraponto de vivências, atraídas pela chegada em pessoa do Vigário de Cristo à cidade de Melo. Crua realidade de um povo necessitado de amor e de proteção divina, lúcido diagnóstico da confusa vida interna do ser humano.

Esse conjunto teve a particularidade de ser escrito em espanhol, o que definiu Schlee como um autor uruguaio, nascido no lado brasileiro, mas reconhecido (por essa obra) somente do lado castelhano. Esta é sem dúvida a obra maior de Schlee (no gênero conto), que provavelmente nunca será vista como tal no Brasil. Os conflitos de fronteiras ainda são muito recentes e os ódios não foram totalmente sanados, mas estas histórias oxigenam um pouco a ferida da História.

Por outro lado, os contos (cantos) para Gardel - também situados no Uruguai - usam o português (e o portunhol, já sem pudores nem delimitações idiomáticas) para referir-se a uma realidade essencialmente castelhana/gardeliana: a tragédia de nascer pela violência mais brutal e de morrer sem poder ter elaborado a tragédia da vida, exceto pelas letras e pelas emoções dos tangos.

El día que me quieras poderia simbolizar a falta desse amor, esperado em vão toda a vida, e recordado - não se sabe por quê - numa viagem de chegada a Buenos Aires. É também o elo sugerido por Schlee com seus contos do dia da chegada do papa.

Será esse desamor uma tragédia simplesmente pessoal, de todo o povo platino, ou de toda a humanidade? Cabe a um leitor adulto pensar - ao longo da leitura, e ao longo de sua própria vida, pois respostas claras não há.
Imagens: CMC POA (1) e Ardotempo (2-3)

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