sábado, 24 de julho de 2010

Meu pedaço de universo é aqui

A letra de Taiguara (1945-1996) Universo no teu corpo, de 1970, parece dedicada ao amor de uma pessoa, em contraposição ao desamor de uma sociedade. Quem acha um amor estável, recupera a esperança que o mundo não pode dar.

Mas também pode aplicar-se a qualquer amor, inclusive ao da terra natal. Para quem gosta dela, esse é seu melhor pedaço de universo. Ouça aqui a inesquecível versão original com voz e orquestra, remasterizada.

Eu desisto: não existe essa manhã que eu perseguia,
Um lugar que me dê trégua ou me sorria,
Uma gente que não viva só pra si.
Só encontro gente amarga mergulhada no passado
Procurando repartir seu mundo errado
Nessa vida sem amor que eu aprendi.

Por uns velhos vãos motivos,
Somos cegos e cativos
No deserto do universo sem amor.
E é por isso que eu preciso
De você como eu preciso;
Não me deixe um só minuto sem amor.

Vem comigo:
Meu pedaço de universo é no teu corpo.
Eu te abraço, corpo imerso no teu corpo,
E em teus braços se unem versos à canção
Em que eu digo
Que estou morto pra esse triste mundo antigo,
Que meu porto, meu destino, meu abrigo
São teu corpo - amante, amigo - em minhas mãos.

5 comentários:

Anônimo disse...

Taiguara! meu Deus, que saudade!
Excelente postagem!

Anônimo disse...

Linda, linda, linda a canção do Taiguara...!

"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer."

João Guimarães Rosa

Deve ter um sentido esse "retomar", não?

Francisco Antônio Vidal disse...

Sem ser eu divino, opino que um Deus amoroso e onisciente não retomaria os dons para ver se os filhos podem se virar sozinhos, mas para que os filhos sigam sozinhos, e só depois de se terem apropriado desses dons de modo autônomo e seguro.

O retomar é também, creio, uma impressão nossa. Amigos e objetos amorosos não são eternos, eles têm um tempo físico, duram o prazo necessário para que possamos introjetá-los no coração. Um dia eles se vão e nos parece que Deus os retomou. Mas se Deus é bom, ele é um mestre cuidador, não manipulador. Logo ele nos dá novas oportunidades para que nos levantemos, para que a alegria fique dentro de nós arraigada.

Se agora encontramos gente amarga, num triste mundo antigo, um minuto depois encontramos um abraço, um porto amigo. E tudo isso pode ser na mesma cidade.

Anônimo disse...

Eu sou a anônima acima. Interessante a leitura que cada um de nós faz de um mesmo texto. Associei imediatamente, quando digitei essa citação de G. R., a um Deus bom, generoso, e justamente por ser bom, sabe o quanto é difícil para nós, humanos, lidarmos com o desapego ("retomar" pode não ter uma intenção "ruim" _ manipuladora _ se pensado dessa forma, ao contrário...). Deus me parece, nesse sentido que descrevi, deseja que sejamos alegres simplesmente porque a alegria dá prazer, nos dá liberdade.

Mas, são um tanto contraditórias nossas atitudes... Precisamos sempre da alegria E algo mais. Da simplicidade E algo mais. Da paixão E algo mais. Sempre a ideia de que, sem "bengalas", podemos cair a qualquer momento.

Desculpa a filosofia de para-choque de caminhão: acho que Ele quer que aprendamos a andar de bicicleta, mas sem nenhuma "rodinha" ao lado dessa bicleta para nos segurar... Simples assim.
Quanto à cidade, pode sim,... afinal, Deus está em todo lugar.

Taiguara diz "estou morto pra esse triste mundo antigo". Para viver com alegria e prazer, quem sabe não será preciso "morrer"? Daí a ideia de G. R. usar o verbo "retomar". Quem sabe? Muito boa reflexão!

Francisco Antônio Vidal disse...

Concordo com o Rosa, só quis fazer a precisão, em cima do Taiguara (que não menciona Deus).
A resposta dele é o amor que ele encontra, depois do tremendo pessimismo (desistir de buscar uma sociedade justa), mas não menciona nada espiritual. Pode ser um amor sexual, um amor pela arte, pela cidade, ou por Deus também (como objetos alternativos).

Retomar Ele o que nos deu? Sim, assim poderíamos ver se já andamos sem as rodinhas. Mas o crucial é podermos confiar nesse que nos põe desafios para caminhar. Sem autoconfiança não dá.
Retomarmos nós o que deixamos largado? Melhor ainda. Que maravilha é poder pintar com cores boas o que antes foi angustiante ou duvidoso.
O retomar como uma morte? Sim, mas isso só se diz depois dos fatos. O instinto natural não permite se autodestruir (morte sugere fim).
Mas, sim, podemos morrer, se percebermos o mundo do amor como algo confiável, melhor. Se não o virmos, de nada adianta esta frase "é preciso morrer" (frase teórica, explicativa). Nego-me a morrer; meu corpo e meu espírito querem melhor vida.
Por consequência paradoxal, consigo "morrer" para esse triste mundo antigo.
Postei esta música porque vejo no pelotense a dificuldade de sair desse mundo escuro. Obrigado pela contribuição.