domingo, 6 de dezembro de 2009

Vendo a vista

Na ocupação artística da antiga Cotada (Arte no Porto III, em outubro de 2009), Angela Pohlmann tomou uma expressão comercial cotidiana e a aplicou a um espaço do prédio.

Na forma, o edifício que seria um lugar para exposição passou a ser objeto - com duas frases escritas nele. No conteúdo, a expressão ficou como "vendo a vista" e "vende-se a vista" (esq.).

Também poderia dizer-se que, neste artifício linguístico, nenhum objeto de arte foi produzido - a percepção do espectador foi alterada somente com frases. No gênero "legenda de foto", elas respeitam a predominância da paisagem como figura. As palavras são imperceptíveis ao público da rua e, mesmo assim, não são muito chamativas a quem se situa dentro do edifício.

A intervenção verbal deixa à mostra a multiplicidade de sentidos de uma frase e faz o espectador pensar sobre o lugar, sobre a linguagem e sobre si mesmo.

  • Vendo do verbo "vender" pode sugerir a quem vê a vista a ideia de comprá-la. A quem pagar?
  • O inesperado verbo "vendar" é bem mais inquietante. Quem tapa ou tapará a vista: o leitor ou o autor da frase? Ao dizer "vende-se a vista", quem me ordena vendá-la?
  • A vista pode ser o panorama ou a capacidade de visão. Qual das duas será vista, vendida ou vendada?
  • Se esta vista sofre a ação destes verbos, a vista de outra janela... não? (dir.)
  • Um pagamento à vista é feito com todo o dinheiro visto de uma vez. Mas a nossa vida e nosso pensamento não são sempre feitos aos poucos, em curtos ou longos prazos?
  • O gerúndio de "ver" devolve ao espectador a solidão esperada numa mostra de arte ou na observação da natureza.
Não mais questionamentos filosóficos angustiantes.
Fotos de F. A. Vidal

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