sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Meu Brasil é Pelotas, um país insular

Aleksander Aguilar (dir.) nasceu em Pelotas, é jornalista, licenciado em Letras e mestre em Estudos Internacionais pela Universidade de Barcelona. Atualmente vive em Londres e de lá escreveu Meu Brasil é Pelotas, artigo que o Diário Popular publicou há 10 dias.

Não é o seu primeiro texto neste jornal (ele começou em setembro de 2008, com O jornalismo e a moral de Ratatouille). Seu estilo é do tipo "crítico francoatirador" e se apresenta agora como uma coluna quinzenal - a próxima seria neste domingo (27).

Neste novo artigo, Aguilar fala da pobre visão de mundo dos pelotenses, mesmo daqueles que se informam todo dia pela internet. Começa citando o clássico estereótipo dos ingleses. São eles tão fleumáticos como se conta? Responde o pelotense:

Nem todos os britânicos são aristocráticos, nem todos os pelotenses são metidos. O que nos falta é perspectiva e ela é imprescindível para que possamos traçar paralelos que na famosa relação com "o outro", definidora da própria identidade, esses olhares que intercambiamos superem o estereótipo, reconheçam limites, valorizem a experiência, apreciem a opinião, catalisem a crítica.

A miopia
A falta de perspectiva não é simplesmente uma condição optada ou conspirada, mas também uma miopia involuntária, resultado do jogo de possibilidades de acesso. Se Paris [esq.] é para Pelotas [dir.] o centro de um suposto mundo de tradições, é porque esse foi o acesso de um recorte da Cidade Luz permitido a um certo tipo de pelotenses de uma época, reforçando estereótipos.

A imagem que temos da Europa é aquilo que achamos que sabemos da Europa segundo o jogo de importações de estereótipos, segundo nossas leituras mais ou menos críticas, e até conforme - para os mais prósperos - nossas impressões de turistas depois de uma viagem de férias.

E esse jogo de ideias generalistas é de mão dupla, entre os de lá e os de cá. [...]

Como explicar para um pelotense sem perspectiva que ser [Pelotas] uma cidade supostamente tão úmida quanto Londres, mas sem infraestrutura, não significa nada mais que passar muito frio... que morar na Europa não é estar em um hotel com vinhos e lareiras (as lareiras são proibidas em Londres há anos)... que os famosos ônibus vermelhos na hora do rush são mais superlotados que os da antiga empresa que fazia a linha para o Laranjal?

O narcisismo

A própria noção do suposto traço pelotense típico, da vaidade e arrogância - merecidamente criticado na cidade pelas vozes que se levantam em favor da "Pelotas moderna" - está muitas vezes fundamentando a ideia de que o "pelotino" segue aferrado a essas imagens distorcidas e cheias de clichê do mundo ao qual quer comparar-se.

Entretanto, a esse grupo do apelo ao moderno, que acertadamente quer importar clichês, tampouco lhe importa olhar para mais além da Lagoa dos Patos com abertura ao diálogo, pois acha que já conhece suficientemente o mundo através da internet.

Quando porventura alcança esse olhar, tende a reproduzir novos clichês - diferentes dos do passado da Belle Époque, mas ainda assim clichês - defendendo a construção de shopping centers, ignorando expressões culturais das periferias, depreciando demandas de movimentos sociais.

Aguilar define o "pelotino" como o pelotense que nasceu em berço de ouro, pretensioso, conservador, deslumbrado e muitas vezes, sem admitir, economicamente falido. O conceito está no blogue Amigos de Pelotas, que assim batizou um fictício colunista social, aristocrata decadente, com a intenção de satirizar a vaidade de um segmento dos pelotenses.

O articulista termina com uma resposta à pergunta do começo, sobre a fama dos ingleses:
― Sim, há muita gente fleumática na Inglaterra, mas em Pelotas poderia haver tanta quanto lá.
E um bom leitor de sutilezas poderia substituir "fleumática" por "sem perspectiva", e "Inglaterra" por "Pelotas" - e vice-versa. Há egocêntricos aqui, mas lá também.

O leitor Jorge Viana comentou o seguinte no site do Diário:
Parece-me que o que melhor ilustra Pelotas e suas contradições é o Mercado Municipal. Isto, Pelotas é a cara do Mercado Municipal. É uma pretensa obra de arte no seu exterior, como os prédios de Paris (por que não? não temos uma caixa d'água importada da Suíça e chafarizes da França?) e ao mesmo tempo é uma favela no seu interior (como qualquer grande favela de qualquer grande cidade do mundo). Assim é a alma do pelotino/pelotense. No mais, em Pelotas se ficar parado mofa.

Dêiticos é o blogue em que Aguilar veicula seus textos, mas que ainda não reproduziu o artigo acima.
Ele tem o "Pelotas, Capital Cultural" na lista de seus 25 blogues favoritos.
Imagens da web, F.A.Vidal (ônibus na D.Pedro II) e Gustavo Vara (vista aérea)

2 comentários:

Aleksander Aguilar disse...

Estimado Francisco Vidal, sou Aleksander Aguilar, mas faço as devidas apresentacoes e objetivos deste contato no email que acabo de lhe enviar e que, apenas na eventualidade que caia na tua caixa de spam, te aviso aqui do correio a caminho.

saudaçoes cordiais

THE PARTNERS ROCK BAND disse...

Meu bisavô Jakob Gloor que veio da Suíça foi quem montou o relógio na torre no Mercado Público no início do século passado. Ele era mecânico, armeiro, ferramentista, metalúrgico, inventor e construtor de coisas complexas para a época, e foi contratado para tal feito, pegar esse relógio que veio desmontado dentro de uma caixa de madeira da Alemanha, montar, instalar e deixar ele funcionando na torre do Mercado Público.
Eu escuto desde criança de meu pai e meu avô, ambos já falecidos, que enquanto meu bisavô Jakob Gloor trabalhava, meu avô ainda uma criança, auxiliava ele alcançando ferramentas para a montagem, instalação e regulagem do relógio da torre.
Esse feito de meu bisavô e avô sempre foi motivo de muito orgulho para mim, e que hoje tento preservar essa história de meus antepassados repassando para minha filha e demais familiares.
Fica o registro desse fato que acredito não deva ter em nenhum lugar, mas tenho uma desconfiança que talvez tenha as iniciais dele gravadas em algum lugar ali dentro na máquina desse relógio, pois ele tinha o hábito de fazer isso nas ferramentas e tudo que criava ou fazia.