sexta-feira, 17 de julho de 2009

Poema de amor por Pelotas

Neste aniversário de Pelotas, dia 7, o Diário Popular voltou à internet. Postado no dia anterior, ali estava um vídeo de homenagem à cidade, com imagens de fotógrafos do jornal e um apaixonadíssimo texto de Pablo Rodrigues, jornalista que o redigiu em 2007, para a inauguração da Casa de Pelotas no Mercado Público de Porto Alegre. A interpretação é do ator Zé de Abreu (paulista, morou em Pelotas nos anos 70).

A prosa poética de Pablo (veja um post sobre ele) brota de sentimentos profundos que também inspiram este blogue. Para nossa meditação, transcrevo abaixo o texto original do autor, com a pontuação revisada por ele.

O
monólogo pode ler-se como uma conversa com Deus (o Senhor). A cidade tem incontáveis detalhes, como a casa do espírito humano tem inúmeras janelas. A casa divina também tem uma multiplicidade infinita (Evangelho de João 14, 2).


Minha casa e tantas casas
― Digo ao senhor, sem o receio qualquer de errar: minha cidade é minha casa, o lugar onde me encontro. E crescem em mim incontáveis alegrias, abrem-se em mim inúmeras janelas quando volto pra : coração no compasso do mais certo. Aliás, o tanto e quanto mais sei e testo nesta vida de entreandanças é que tudo é viagem de volta... Minto? A saudade então não é a cada instante a sempre-presença? Ai, e tem maior que a saudade da casa da gente? Pois repito, para que não sobre assombro: minha casa é minha cidade. Toda doçura.
Essas lindas moças todas e suas finas feições e caminhares e perfumes são minha cidade: o crescer da lua, na Lagoa dos Patos, o inesperado irromper do amor. Lhe conto que não há nada igual no mundo. O senhor vá no Laranjal, comigo confirme, constate com os seus próprios olhos. E ponha o coração à larga. Depois sonhe com aquilo quando sonhar, toda a vida.

Uma casa e tantas casas, minha cidade, onde Ramilonga se fez canção, poema e estética profunda de frio, solidão e amor. Sim, minha cidade em mim não sei como, não saberia ser quando, onde quer que fosse, onde?, se não em mim, o que me faz mais eu: assim, minha casa e tantas casas, assim, aberto à esperança de tantos milagres e povos.

Olhe, veja - e me escute mais do que estou lhe dizendo. Escute cada pedra, cada árvore, cada banco de praça. Escute cada flor lilás dos jacarandás-em-dezembro da Coronel Pedro Osório, o silêncio das peças de xadrez, as mesas, os velhos senhores tão sempre donos do tempo, como se num quadro. Eternos. E Deus por todos os cantos.

Escute o cheiro de infância que ainda circula pelo Café Aquário: um desejo enorme de debater o mundo com os amigos. Mudam-se apenas os assuntos. Todos somos crianças, porém, lá no fundo. O senhor faça o teste: pare diante do espelho e se olhe fixo, por cinco minutos. O que verá no fim? Pois lhe digo: um rostinho de menos que menino, como se pedisse ainda - toda a vida - o carinho, o colo e o cheiro da mãe. Mais: como se pedisse mais amor.

Só o que me consola é a minha cidade e todas as suas belezas.

Ah, subir pela Princesa Isabel, a mais bonita das ruas e ver as folhas caídas naquele chão de tanta história! Chegar à praça Coronel Pedro Osório... Como definir ao senhor?: o exato da beleza de se estar olhando para o chão e de repente erguer os olhos e topar com o Grande Hotel... ali, imenso, desde sempre, de portas abertas, um convite à elegância.

Sei, certos momentos não são definíveis. Fosse lhe dizer mais, o tanto que minha cidade cultiva, muito mais conversa precisaria. O Sete de Abril e seus delicados contornos, as charqueadas que estão aí para dar testemunho, sal e sangue, luta e memória.

O senhor preste toda a atenção no enorme da voz do Joca e saberá do que falo: raízes.

Minha cidade é toda a alegria e beleza do mundo, mesmo quando a vida anoitece. Tholl em festa, o senhor sabe o que lhe digo. Como dizer ao senhor o encantamento de caminhar distraído pela Lobo da Costa e começar a ouvir o crescer dos violinos e violoncelos da Orquestra Filarmônica e os timbres das muitas vozes do Coro de Música pela Música? O Guarani guarda tantas histórias!

E o que dizer então das histórias que guarda o Instituto, Casa do Capitão, minha casa... Blau Nunes mora ali! e ainda ensina a vida aos mais novos, patrício menos avisado do essencial do cotidiano, a esperança e a luz de Deus por todos os lados, de muitas onças.

Como dizer ao senhor o tanto que minha cidade é?
Desconheço.
Sei e digo, apenas, que minha cidade é o que há de melhor em mim, a parte mais minha, o que em mim mais profundo habita.
Em qualquer lugar: minha casa, sua casa, esta casa, Pelotas.

9 comentários:

Anônimo disse...

mUITO LINDO.

Anônimo disse...

Emocionante

Anônimo disse...

... Pelotas ...

Anônimo disse...

É o que queria dizer mas não sabia dizer.

Anônimo disse...

Quem é o inspirado autor Pablo Rodrigues?

Anônimo disse...

Achei maravilhoso...simples e transparente...cheio de emoção...e na voz do José de Abreu que morou em Pelotas, ficou excelente! Ana Te

Francisco Antônio Vidal disse...

Pablo Rodrigues é jornalista, foi editor de Cultura, hoje é coordenador de redação do Diário Popular. Escreve uma coluna semanal no caderno Estilo, aos domingos.

Vera Lúcia C. Meirelles disse...

Vera Lúcia Meirelles

Arrepiante!!! Lindo!!! A muito tempo não escutava algo tão lindo sobre Pelotas. Parabens!!!

Anônimo disse...

Ser Pelotense é isso! Ter orgulho do seu lar, falar com voz embargada da nossa linda e aconchegante Princesa do Sul! Lindo demais! Parabéns pelas palavras e pelo exemplo de amor à sua terra, saber cultivar suas raízes.
Cristina Almeida