domingo, 26 de abril de 2009

Aula inaugural sobre Literatura e Cinema

O curso de Cinema e Animação da UFPel começou o ano letivo 2009 na terça-feira 14 de abril com uma Aula Inaugural proferida pelo professor de literatura João Manuel dos Santos Cunha (dir.) no auditório da Rua Alberto Rosa nº 62.

O tema interessava aos alunos do curso, que está iniciando sua terceira turma, e a todos os especialistas em literatura comparada ou em artes fílmicas: Literatura e Cinema, natureza e limites de uma relação intertextual e transemiótica.

João Manuel tem dedicado sua vida acadêmica - 42 anos de magistério - a pesquisar sobre as relações entre o cinema e a literatura e não deixa de mostrar todo o entusiasmo que sente, entregando a riqueza de seus conhecimentos e estimulando o intelecto dos ouvintes a que se leia mais sobre cada assunto e logo a discutir cada ponto exaustivamente.

Nesta ocasião, o ponto central do tema era a possibilidade de se traduzir textos literários ao gênero fílmico. Não é concebível transpor um livro ao cinema, pois os gêneros são diferentes; as linguagens impedem transcrever os conteúdos, mas é possível recriar ou "transcriar". Os textos escritos despertam nossa imagens mentais, enquanto os filmes já trazem imagens visuais feitas; no entanto, as imagens mentais seguem latentes à observação de um filme.

A palavra "traduzir" é aceitável se for considerado que não existem as traduções exatas, pois pelas diferenças dos contextos é preciso reconstituir uma obra, parte por parte, ao passá-la de um idioma a outro. "Tradução criativa" ou "transcriação" são expressões de Haroldo de Campos (1969) para referir-se à recriação de uma obra ao ser vertida a outra linguagem ou idioma (veja um artigo de Flávio Carneiro sobre este ponto).

Não foi projetado nenhum vídeo, mas os exemplos foram abundantes. Como se já estivesse dentro de uma disciplina regular, o professor pediu que lêssemos o livro "Reparação", de Ian McEwan, e víssemos o filme inglês do mesmo nome - Atonement (2007), com a atriz Keira Nightley (esq.) - chamado em português "Desejo e Reparação". Este é um simples exemplo de como os tradutores recriam até no título de uma obra. Em uma próxima oportunidade, poderíamos fazer comparações entre gêneros e linguagens à base dessas obras.

João Manuel também nos entusiasmou com o filme "A Hora da Estrela", versão cinematográfica de 1985 do romance homônimo de Clarice Lispector, de 1977.

Outra comparação a ser feita: entre o conto do gaúcho João Gilberto Noll "Alguma coisa urgentemente" (1980) e sua adaptação fílmica, "Nunca fomos tão felizes", dirigido por Murilo Salles (1984).

As duas horas desta verdadeira aula magna transcorreram rápido, em meio a exemplos, perguntas e comentários feitos em dois contextos paralelos: o diálogo vivo entre o mestre e quase uma centena de discípulos e a leitura formal de um texto de 16 páginas - versão adaptada para os alunos de Cinema de uma aula antes proferida por João Manuel sobre o mesmo tema.

A intenção era ler tudo em 50 minutos, mas após uma hora e meia, com tantos parênteses ilustrativos e algumas perguntas dos presentes, o professor só pôde chegar à página 6 e declarou a exposição terminada, passando então a um diálogo livre de perguntas e respostas.

A propósito de escritores gaúchos que usam imagens do tipo cinematográfico em seus textos literários, veio à baila o livro de Aldyr Garcia Schlee escrito em espanhol "El Día en que el Papa fue a Melo" (Ediciones de la Banda Oriental, 1991).

Os livros de Schlee ainda não foram "transpostos" ao cinema, mas apareceu um filme com a mesma temática, "O Banheiro do Papa" (2007), que não menciona o livro nem o escritor em seus créditos. Verdade que Schlee teve a ideia primeiro, mas as duas obras não têm inspiração mútua, mas sim num mesmo fato da realidade, a partir do qual desenvolvem conteúdos, formas e processos diferenciados.
Imagens da web (2-4) e F.A.Vidal (1).

Um comentário:

Cris Carriconde disse...

Que saudade do meu professor favorito.
Tenho até medo de cometer erros no comentário.
Ele sempre me dava nota boa com a observação de que era pelo conteúdo.
Tenho esse livro do João e fico com muita pena de não ter o do Schelee, de quem também sou fã. Encontrei com João Manuel, pela última vez, pouco antes de vir morar no Rio de Janeiro.
Ele vinha de Porto Alegre e eu ia apresentar Pelotas para o marido. Sentei no chão do ônibus para vir batento papo com ele :)

João se você ler isso aqui mande um e-mail
ccarriconde@uol.com.br

Deixo um beijo para todos.